O Verdadeiro Papel do Negociador na Saúde
Para grande parte das pessoas, o negociador é alguém que apenas define um preço e o ajusta conforme a pressão ou proposta da outra parte. Mal sabem essas, que dentro de um ambiente empresarial ou hospitalar, um negociador pouco atua com o departamento de Vendas e muito menos com o de Aquisições/Novos Negócios. Seja ao orientar um paciente no consultório, ao discutir escalas com a equipe de enfermagem ou ao lidar com decisões familiares em casa, o profissional da saúde está constantemente negociando, mesmo que não perceba.
Algumas qualidades de um bom negociador, são:
Persuadir
Construir credibilidade
influenciar
impor a paz
Quando mencionadas fora de contexto, podem até transmitir traços manipuladores ou insensíveis. Na prática, são profundamente humanas se orientadas à empatia. David Lieberman em seu livro “Get Anyone to do Anything”, destaca justamente isso: a classificação dada para uma atividade (ou pessoa) pode influenciar como os outros notam seu comportamento. Assim, o propósito por trás do desenvolvimento dessas qualidades é o que determina se alguém será visto de maneira positiva ou negativa.
Para fins didáticos, será elaborado de um cenário de caráter imaginário:
Em 2024, alguns residentes do serviço de Clínica Médica de um pequeno hospital particular da região Sul do Brasil acreditaram que seria uma boa ideia firmar uma parceria com uma farmácia local. A proposta era simples: indicar os serviços da farmácia aos pacientes do ambulatório em troca de uma comissão cumulativa, paga mensalmente. O arranjo iria gerar grande retorno financeiro; mas um residente, não incluído no esquema, tomou conhecimento (antes da) prática e denunciou o caso à Comissão de Residência Médica (COREME). Embora tal conduta violasse diversas normas do programa de residência médica, contrariasse o Código de Ética Médica e, dependendo da interpretação jurídica, pudesse configurar improbidade, a instituição não demonstrou interesse em expulsar os envolvidos.
A judicialização, não levaria a nada, pois o ato não foi concretizado. Medidas punitivas, poderiam prejudicar a relação entre a equipe. Diante desse impasse, a solução encontrada foi: contratar uma equipe de negociação para mediar as conversas entre os residentes, a farmácia, a COREME e a administração hospitalar. A equipe, de forma sigilosa, conciliava os desejos das partes e, sem conflito, sugeria soluções que pudessem tornar o caso menos público e menos prejudicial possível. Situações como essa são mais frequentes do que se imagina. Apenas não ganham notoriedade pública porque, na maioria das vezes, são tratadas internamente por equipes especializadas em gestão de conflitos. Se houvesse judicialização, os danos seriam amplos e os casos certamente deixariam de ser sigilosos.
Equipes de negociação
Esporadicamente fazem parte da equipe empresarial em pequenas-médias companhias. São mais frequentemente terceirizadas e colaboradoras, nessas. Em grandes instituições, por outro lado, elas estão sempre atuando em conjunto com diversos departamentos e com finalidades variadas. As funções de negociadores são complexas. E as qualidades que determinam um bom negociador são ainda mais avançadas.
No cenário da saúde, onde decisões impactam diretamente vidas ou a qualidade delas, a negociação deixa de ser um simples jogo de zero soma para se tornar uma ferramenta de temperança, humanização e sustentabilidade. Reconhecer seu valor e profissionalizar sua prática é, portanto, uma atitude estratégica que beneficia desde a relação médico-paciente até as mais altas instâncias da gestão hospitalar.
Escrito por: Dr. Fabrício Mulinari de Lacerda Pessoa
Médico administrador e consultor em estratégia clínica. Atua como advisor em uma stealth startup de saúde, com foco em gestão de pessoas e manejo de conflitos